3 de fev. de 2006

Deu branca


DSCN2959, originally uploaded by fanglei zhuang.

O relógio da parede marcava 4h12. Estava ajudando não sei quem a carregar uns pacotes. Vamos parar aqui, preciso ir ao banheiro. Vamos naquele outro bar. -- disse-me--, apontando o outro lado da rua. Vamos! Levantei-me abruptamente da cama, joguei o coberto de lado e encurvado me dirigi ao banheiro. No escuro. Doía demais. A contração não cedia. Vontade de me deitar no chão. O que jantei, ontem à noite? Refrigerante, um pequeno pedaço de mussarela. Você não se alimenta corretamente. -- acusaria-me o gastroenterologista. Os intervalos entre as refeições são muito espaçados. -- comentaria a nutricionista. Você recusa comida? -- inquiria a psicóloga. Inútil, ouvir suas vozes. A louça gelada do sanitário. Preciso de uma toalha. A água morna (quente mais do que de costume) desviava minha atenção. Agachei-me, encolido feito um feto. Contrito, puxei uma Salve Rainha. Várias. Sempre em momentos extremos clamo por Ela. Já havia rogado por muitos nomes da Mãe, quando um filete de sangue coloriu de vermelho o fundo da banheira. Calma. (Há! Há! Há! Ele está com parvovirose.) Com o dedo no orifício, procura estancar o sangue. Amanhã (no caso, hoje), eu vou ao médico, nem que tenha que passar oito horas na fila do Pronto-Socorro. Poderíamos classificar sua prosa como literatura gay? -- perguntou o entrevistador. Sinceramente, -- respondi --, estou mais preocupado em saber, se o que eu escrevo pode ser considerado literatura. Assim fui me desvencilhando do entrevistador, diante uma platéia ávida por um autógrafo. Todos a portar o meu mais recente romance. A capa grossa, o encadernamento de luxo. Os murros na porta. O relógio da parede marcava 6h50.

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