27 de set. de 2007

A ausência traduz-se numa incapacidade preocupante de enfrentar algozes. Ela me disse, dois pontos, abre aspas, você vai morrer, fecha aspas. Todos nós vamos morrer, foi meu pensamento imediato, mas não lhe disse nada. Permaneci calado. Não havia o que discutir. Preferi deixá-la para nunca mais. Nunca mais talvez. Pera aí! Como assim? Você some, não me deixa um bilhete, não me liga, passa semanas sem me atualizar e de repente surge inesperadamente evasivo e prolixo? Meu diário se comporta mal e o efeito do álcool estava demorando a passar. A vontade de eclodir sem ao menos saber o que significa eclodir. Diários se desesperam quando esquecidos em ambientes inóspitos e estéreis. Eles têm medo. Não sabem viver só. Preferem a esperar na fila para entrar na sala de projeção; fila para comer um crepe; fila para ir ao banheiro; fila para sair em segurança do shopping; desde que, toda a nata da sociedade esteja ali reunida. De vez em quando, do meu leite se forma uma grossa nata e dela faço biscoitos deliciosos. Para consumo próprio. Para consumo próprio. Comerciantes e jornalistas não pisam no meu quintal. Passo horas deitado no sofá da sala de estar pensando no final da história do último menino que colheu flores amarelas no descampado onde marginais, à noite, se escondiam para assaltar os trabalhadores que desciam do ônibus sozinhos e distraídos. Levanto-me. Vou à varanda do quarto da minha irmã. Fazer o quê? Ver o horizonte. Daqui a pouco o sol vai se pôr. Daqui pode-se ter pensamentos mais ousados em relação ao final. Fausto esquecido sobre a espreguiçadeira. Procurei-te por toda casa. Estamos atrasados alguns dias. A bibliotecária se recusará a emitir o boleto da multa mais uma vez. No mais, continua como Deus quer. A dica do óleo foi excelente. Minha pele sobrevive ao castigo da estiagem. Até amanhã, se eu estiver de bom humor.

9 comentários:

  1. Os diários não têm medo. Quem tem medo é o diarista.

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  2. Os diários receiam ser abandonados definitivamente. Bobagem. Bobagem.

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  3. Os diários receiam ser abandonados definitivamente! Tenho a mesma certeza sua. E é por isso que estou aqui encantada. Mas vc me roubou todas as palavras, aqui, ali e acolá. Então resta te plagiar assim:
    "Deixa o copo encher até a borda
    Que eu quero um dia de sol n'um copo d'água."
    E se possível, fotografar o reflexo.
    Amei estar aqui. Vou amar estar sempre - ainda que o meu sempre tenha muitos intervalos.
    Beijãozão

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  4. Anônimo12:45 PM

    Ah, os biscoitos de nata, ao lado de um Fausto, num crepúsculo doce...


    Obrigado pela visita e pelo comentário sobre as musas.

    Também prefiro as Deusas.

    Acontece que quando tentamos defender relacionamenteos duradouros (e brilhantes) as estatísticas nos contradizem.

    Mas, sinceramente, depois de casar cinco ou seis vezes, eu AINDA as considero MUSAS.

    Todas elas!


    Mas sabemos que a Vida não é assim...

    O Tempo é um sapo!

    Abraços, flores, estrelas!

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  5. Loba, obrigado pela suas gentis palavras. Volte sempre.

    Edson, nada melhor do que ter nossas musas sempre por perto.


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  6. Teu diário é muito esperto! Sabe a quem pertence. Se todo diário tivesse um dono com escrita tão apurada quanto a tua, certamente ficaria inquieto com a ausência da tinta que vivifica e colore suas páginas.
    Muito bom teu texto.
    Abraços.

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  7. Fernanda, obrigado pelo elogio. Mudou totalmente a pauta da agenda de hoje. BEIJÃO!

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  8. Anônimo10:56 PM

    bonito ver como continua escrevendo com os pulsos - e não com os dedos.

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