6 de jan. de 2006

O rascunho que não fui capaz de escrever, ontem à noite, por causa de uma preguiça ensurdecedora

Nunca mais feijão, nunca mais tomate, nunca vôo de avião. Seria um versinho safado de tão ritmado (com direito a metaplasmo) se ela não tivesse sido acordada de madrugada com suas emaranhadas víseras rosadas marcando a cadência da argüição: Gostaríamos de saber, a princípio, o que a senhorita entende por Belo? Acho que ele está sob condicional, não? Ô! Toc, toc, toc, toc, Bummmmmm! Ai, Barriga! Assim você me machuca. O trocadilho é inevitável, perdão. Dr. Gastro, meu intestino conversa comigo em horas inapropriadas. Os flatos e as eructações continuam te incomodando? Só os flatos Dr. Gato. Só os flatos Doutor. Vamos fazer mais um exame? Deixa-me perguntar antes à D. Conta-Corrente. Amor, o Dr. Gastro disse... Pode ir, mas não me peça para ser seu acompanhante. Na dureza de uma cadeira de couro, num hospital escurecido pela espera, compusemos redondilhas de amor a um canalha mal-agradecido. Será que ainda vai demorar? Não se refiria ao atendimento, conheçia bem o esquema. Falava da epifania; não a do Senhor, mas aquela discutida pelos críticos literários. No livro que trouxera dentro da mochila, a colega de classe havia grifado com caneta vermelha o suposto momento de revelação. Su, como está isso no original? -- disse apontando no texto, o trecho em que em se lembrou do romance da Clarisse Lispector que não havia terminado de ler. Cíntia, não se preocupa com isso agora. Seu momento de êxtase atropelado pela amiga viajada pelos cinco continentes. Ela achava que nunca mais encontraria outro. Antes que a enfermeira lhe chamasse, deparou-se com a beleza da verdade, toda ela dialética, assim quis interpretar. Colocou o marcador de livro na página errada e puxou conversa com o senhor que acabara de se sentar ao seu lado. A concretude daquela companhia lhe intensificou a revelação. Era para isso que os intestinos lhe chamara às 3h da madrugada. Ela não se costumara com o jeito irônico que a vida lhe tratava.
Ouvindo Lenine cantando "Ninguém faz idéia."
(Os astrofíscos devem fazer idéia de quem vem lá.)

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