29 de jul. de 2005

Quero essa tua boca para sempre

Você está de castigo, me dissera meu pai. Cárcere privado. Preferiria uma surra de cabo de rodo, assim estaria livre para correr debaixo do bloco. Daqui posso ouvir o pessoal gritando. Aos menos, eles podiam ser solidários com o meu sofrimento. São meu amigos, presentem quando não estou bem. Precisava mesmo era ir embora. Londres continua sendo minha primeira opção. E enquanto não obtenho uma resposta, vou relando as histórias de Sherazade. E pensar que eu chamava-os de contos de fadas. Algum progresso eu fiz.
O riso entalado sai nervoso. A empregada contando à amiga que a patroa só lhe chamava às 9h30. Nem parecia mentira. Ela falava com tanta naturalidade, mas sabemos do delírio que atravessa a mente da moça... Ah!, sabemos de muito mais. "Ela não sabe beber, Soraia, toma duas latinhas e já conheça a dizer bobagens, sabe?"
Também não sei beber, fiquei mexendo o gelo com dedo. O cálice esperando minha boca. Sou o menino do dedo verde, olha!, disse ao Conselheiro, antes de passar, carinhosamente, meu dedo nos lábios dele.
O beijo levemente amargo... me lembrava jurubeba, gariroba. Você gosta? Meu fígado adora, respondi-lhe já de olhos fechados procurando a boca que me ensinara a pronunciar Finnegans. Fainigans... Finnegans (caralho!).
Você é meu intelectualzinho, meu menininho. Ah! Se não fosse os filhos dele... Quer ir ao teatro comigo, amanhã? Vou te levar para assistir a estréia de Carmen. Com o Teodoro no papel de Don José... Nossa! Você já deu para todo mundo. Admira-me muito um ministro de carreira cometer uma falácia dessas. Apenas saímos juntos milhares de vezes, o suficiente para considerá-lo como meu caso, mas nunca fomos para um motel. Vocês faziam no mato. Levantei-me do colo, confortável colo nefasto. Suas mãos eram fortes, para minha surpresa. Fica quieto! Sem querer derrubei o cálice, ao esbarrar na mesinha. Gotas verdes pingando no tapete. Deixa eu pelo menos buscar um pano. Foda-se o tapete. Amanhã a empregada limpa.
E quando ele se levantou me puxando pela mão, perguntei-lhe as horas. Preciso ir embora. Amanhã a gente se vê, certo? Não quero mais assistir à ópera. Estou com ciúme. Queria te sussurar meus segredos. Amanhã, respondi-lhe. Se ele quissesse mesmo, teria me enviado flores, ou ao menos me ligado para desejar bom dia.

Um comentário:

  1. Pode ser um desafio... ainda mais depois de voltar do show do Roupa Nova.

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