7 de set. de 2005

Céu de nuvens pesadas. (Não vai chover.) Gramas secas. Havia umidade suficiente para os espectadores. O que por si só já seria a novidade. Os cavalos disciplinados, as éguas olhavam para frente. Minha credencial enfeitava meu bolsilho, as autoridades enfeitavam meus olhos. Alegres. Quinta-feira, vou ter uma entrevista. Vou sobreviver. "Na quadra 12 do Setor Sul vende-se skunk." Informação irrelevante para o agente da Polícia Civil. O rapaz de boné amarelo, de camiseta cinza, cabeça raspada. Másculo. Branco cor de bronze batido. Seus olhos verdes assustam. Dois homicídios antes de completar dezoito anos. Preciso estudar Criminalística para entender o que o agente está dizendo. "Você também esteve pegando um sol, não?" Ele nem levantou a cabeça. Fez que ia me entregar um papel, hesitou. Fitou-me os olhos.
-- Você nunca mais me ligou. Está namorando?
-- Não. Quer dizer. Estou vindo de um fim de relacionamento. E estou bem. Se estou aqui enfretando essa multidão de conhecidos, é porque eu estou bem.

Olhei para o céu, não para ver a esquadrilha da fumaça, mas para segurar as lágrimas. Quando parei de olhar os aviões, os olhos do agente ainda estavam lá me aguardando. Felipe era seu nome. Cabeça raspada, másculo, olhos verdes. Tal qual o narcotraficante. Completamente diferentes. "E você está namorando?" Não devia ter feito essa pergunta, agora o Felipe vai pensar que estou interessado nele. (Porque não?) (E está mesmo). "Sou casado com minha profissão. Esqueceu-se?" (Tão novo e já comprometido.) "Mas isso não significa que eu não tenha meus rolos por aí." Reclamei do clima seco. Despedimo-nos com um aperto de mão (longo, apertado). Desejei-lhe bom trabalho. Antes de eu me afastar para nunca mais vê-lo, (as coincidências...) ao menos não pretendia, ele me perguntou onde havia errado. E antes que um dragão da independência me pisoteasse, me puxou para junto de si.

-- Sempre o herói antento a salvar e proteger os inocentes.
-- Quem precisa ser salvo sou eu... Vamos sair, qualquer dia, tomar alguma coisa, ir ao cinema.
-- Dezessete de março, o que me diz?
-- Amanhã à noite.
-- Sábado à tarde. Você deixa a arma, a funcional, o relógio e o celular em casa.
-- A carteira também?
-- Se você não se importar de dar entrada no hospital como indigente, tudo bem.

Ele riu, como eu nunca havia visto antes. Risos descontrolados. Chamava a atenção dos transeuntes. Não sei se ria de prepotência, por achar que nada, nem ninguém poderia lhe atingir; ou se ria de felicidade, por eu ter aceito o convite.

-- Posso lhe buscar meio-dia?
-- Você ainda se lembra onde eu moro?!

Ele se lembrava de muito mais, e eu esse tempo todo tentando esquecer.

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