19 de dez. de 2005

---------- Forwarded message ----------
From: Márcio
Date: 19/12/2005 13:17
Subject: Nothing compares to you. Lembra-se? (versão revista)
To: Beatriz Vilazanti

Sugar,
Oi! Sou eu. Escrever-lhe, hoje, tornou-se minha prioridade. Custei a tomar coragem. Os meses nos atropelam e depois ficamos com vergonha dos amigos por se manter tanto tempo afastado daqueles cujas lembranças sempre nos alegra.

Dias desses... minto, em julho, estava lendo "Cem Anos de Solidão" quando me lembrei de você me falando do trecho das formigas carregando um Buendía. Caramba! Onde elas estão? Lia, lia, lia e nada das tais formigas aparecerem. Será que era um detalhe irrevelevante?

Vi borboletas, bananeiras, toceiras de begônias, participei de expedições, de guerras, chorei, ri, praguejei, a ponto de me esquecer delas, jamais de você. Preciso escrever para Vila, preciso escrever para Vila. Para contar-lhe que me mudara para Macondo (como se me fosse possível).

Surpreendentemente, elas surgiram, minúsculas, avermelhadas, uma porção delas, saindo por várias frestas, subindo por todos os cantos, frustando os amantes, carregando o nenen. Demorei acreditar. O Gabo construíra um castelo de cartas (como baralho me fascina) e puxara aquela que servira de alicerce para as outras.

Desmoronei junto. E nada me aliviava do choque de realidade que a ficção me causara.
Refeito, voltei ao cotidiano. Peitar a Dona Relidade, pode ser divertido, descobri. Mas sem ficção estava desconfortável. Busquei, então, acalento com quem poderia me ajudar: primeiro Dostoievski, depois Clarice, em seguida, Lobo Antunes, Joyce, Oscar Wilde, Homero, Fernando Pessoa, Dante Aliglieri, Samuel Rawet, (quem mais me serviu de escora este ano?) Tolstói, Sófocles, Lorca, alguns teóricos enfadonhos e outros romancistas desgastados pela publicidade que dispensam citação.

Nem sei como consegui, entre faxes, e-mails, telefones e clientes, (Sim. Continuo aqui na loja.) acompanhar histórias tão distintas. Às vezes, me sentia tal qual uma abelha perdida no Jardim do Éden, noutras, um solista desafinando no ensaio aberto do coro sinfônico, ou ainda, um submarino emergindo no espaço marítimo de outras nações sem permissão. Entretanto, percebi que tal busca me ajudava a ser persuasivo com clientes, quaisquer que fossem. Corre até o boato que me tornei empresário do ramo de flores. Mentira. Nego e renego peremptoriamente. (Nós, brasilienses, principalmente os candangos, adoramos promover intrigas.)Posso ter fechado vultosos contratos. Recebido muitas cantatas. Recusado presentes e favores. Nem assim. Flores são negócios da família, nunca foi o meu. Você bem sabe.

É óbvio que o hábito de fazer a loja de sala de leitura tem me gerado conflitos, causado aborrecimentos. Contudo, minha vontade tem prevalecido, visto ver sincera. Não se preocupe. Estou bem. Comércio pode ser um bom lugar para colecionar tipos: ora bizarros, alguns hilários, outros taciturnos, ou ainda, dissimulados (meus preferidos).

É para um tipo assim, que prepararei o arranjo que estou lhe enviando. Gostaria que fosse como antes, flores para alegrar ainda mais sua noite de natal. Paciência. Vou imaginar que seja, escrevendo um conto inspirado na sua emoção ao receber flores de um amigo que há muito tempo não recebia notícias. Conseguir, não sei se vou. Caso consiga, receberá em breve, carta minha.

Está escutando ? ... Jingles all the way... Preciso ir. Não posso mais.

Beijos de boas festas!

Marcinho


P.S.: Enquanto lhe escrevia este, enviei-lhe, acidentalmente, uma cópia incompleta, sem revisão, em parágrafo único. Desconsidere, por favor. Isso que nos acontece quando teimamos em escrever no local de trabalho. Beijos!

Um comentário:

  1. Naira,
    Não me agrada escrever cartas. Vou escrevendo, escrevendo, embolando os sentimentos e quando percebo, tenho um punhado de folhas A4 espalhadas em cima da cama, sem saber o que fazer com elas.
    Concebo cartas como provas de amor. Só escrevi cartas de amor que nunca respondidas. Algumas repletas de erros de ortografia e sintaxe, outras com pronomes trocados. Sempre sinceras, nunca convincentes. Elas deveriam ter caído nas mãos de um grafólogo, assim então, saberiam, o quanto amarguei no doçura do amor. Mas vamos guardar o passado. Deixemos os fatos para os historiadores. Vamos copiar, colar e trocar muitos e-mails (que podem ser muito bem escondidos dos olhares curiosos dos parentes ávidos para saber nossos secretos mais íntimos.)

    P.S.: É uma loja onde abelhas, borboletas e beija-flores nos visitam freqüentemente. Mas não pense que tudo são flores. Alguém tem que tirar os espinhos das rosas (já fiz muito isso). E as nódoas nas palmas das mãos, nunca mais sai.

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