Um barulho me assusta. Era o cadela querendo entrar? Não. Era um gato querendo sair. Preto. Então, está perdoado. Nós bem sabemos como são tratados os gatos pretos.
Outro barulho. É a notificação das redes sociais que me esqueci de desativar. A essa hora, em Frankfurt, o executivo está pulando na piscina. Estava tomando um café. O meu, quero sem açúcar, sem creme e sem leite. O que puder ser puro, que seja. Não vou incomodá-lo. Minhas lembranças ainda são suficientes para alimentar meu amor-próprio. Rascunho no guardanapo, uma bibliografia. Mania de listas. Quem tem mania é louco. Eu era louco por aqueles lábios vermelhos que de cereja não tinham nada. "Os Diários de Virgínia Woolf", "Os Diários de Sylvia Plath", "Os Diários de Franz Kafka", "Os Diários de Jack Kerouac", "El Diario de Anaïs Nin", "Brecht, Bertolt. Diário de Trabalho, V.1"
Ando de mãos dados e pé atados com a minha restrição linguística. Enquanto uma língua global não me resgata, vou me socializando no dialeto da periferia de uma grande cidade destruída por uma inundação. Não há ninguém na rua, mesmo assim ela segue iluminada.
Volto ao quarto. Ondes estão meus chinelos? A psicologia do Reich caído atrás da cama me ensina duas coisas: não se deve ler nada antes de dormir e não se deve discutir com jornalistas.
Tenho certeza que lá
no Senado, você não teria coragem de chegar gritando "Hail Hitler! Seu capitão do mato! Você está sendo racista. Estou brincando contigo. Vamos brincar de índio? Você se deita no chão e eu te jogo álcool. Se preferires, te amarro de costas e te violento. Você não tem senso de humor. O meu humor é um ácido que alimenta minha inteligência, se ponha para fora da loja, antes que eu quebre essa jarra de cristal polonês na tua cabeça. Do prejuízo vou fazer lucro e um exercício prático de manipulação das massas.
Estaria para sempre condenado a me lembrar do jornalista que me socorreu quando fiquei preso no elevador. Do alto do prédio observamos a avenida refletindo a luz da constelação de Capricórnio. No espelho d'água, roubamos libras esterlinas, nos comprometendo um dia a depositá-las no cofre do Museu Britânico de Londres. À sombra das palmeiras, juramos nunca mais tomar remédio para dormir. De agora em diante, seríamos escritores notívagos.
N.E.: Texto revisado em 20 de setembro de 2020. Do original só aproveitamos a espinha dorsal. Ideia inicial intacta.