4 de fev. de 2011

Confesso que a voz do carioca brincando no meu ouvido me desestabilizou as emoções, mais que a sincronia dos passos. Pisei no pé dele duas vezes. "Time after time" não significa nada para mim, e jamais significará. Canções de amor servem apenas a relacionamentos ridículos. Ali, havia dois homens medindo forças. A força da palavra na forma de persuasão contra a força física de uma prensa hidráulica. "Like scrap metal", sussurrei-lhe mastigando fonema por fonema. "Não entendi." Nem entenderia. Madonna sentiu-se como uma virgem, eu me sentia como uma sucata prensada. Ele, Wall-E; eu, seu dado da sorte. A pegada era forte, chave-inglesa avantajada a me pressionar as costelas, mas eu não sou homem de pedir arrego. "Não aguenta bebe o leitinho do meu pau.", repetiria ele a exaustão, durante todo o tempo em que fomos sinceros um com o outro. O algoz e sua vítima haviam finalmente se encontrado depois de tantos desencontros. Tudo seria consensual. Do brilho da lua escorria fel, doravante o alimento da relação daquele casal, seja onde ela fosse desaguar. Estávamos no lugar errado, a hora avançada. As travestis limpando o nariz com as costas das mãos não acompanhavam o raciocínio dos nossos passos dobles. Os outros homens aproximavam-se e afastavam-se tentando captar algo. Aquele casal não pode ir embora junto de mãos dadas. Em boate gay ninguém se dá bem. Aqui é só pegação. Gozar e sair fora. Dark Room pesteado, fede à enxofre com mistura de bvlgary, armani, hugo boss, carolina herrera, calvin klein, saint laurent, issey miyake, esqueci alguém? Não! A conhecimento da fauna do parque da cidade não vai além disso.  Poderíamos continuar dançando madrugada adentro indiferente da música, ou na ausência dela. Mas ele preferiu me levar para varanda. Acendeu um cigarro. Calton, o clássico. Falta grave. Estava excitado, intumescido. E eu iria tripudiar em cima do seu discurso de periferia: " Nós é do morro, vocês é burguesia. Tudo playboy. A gente junto não vai dar certo." Poderia ter-lhe apresentado um seminário sobre cultura hip-hop, mas preferi perguntar-lhe quais eram seus cantores prediletos, (para não ser acusado depois de arrogante e pedante, como aconteceu durante nossas brigas fratricidas.) "Mano Brown, MVBill, Akon, 50¢, Tupac,..." Chega Mr. Previsível. " Como se chama aquele cara que compôs o rap da ponte? "Ãh?!" "Eu já atravessei a ponte do paraguai/ Um filme inspirou a ponte do rio que cai/ É sucesso em campinas e na voz dos racionais/ Mas a ponte da capital é demais.  Gog! "A participação do Lenine ficou show." Ele prestava atenção apenas  na fumaça espiralada que subia aos céus. Meu silêncio não foi quebrado. Assustei-me quando ele me acusou de repentinamente ter ficado mudo. "Tá pensando em outro macho?" Gaguejei, tropecei nas palavras. "Deixa eu te ajudar, eu sei o que você quer dizer. Morder na nuca, vale? Tudo vale... Vale tudo. "Suas pernas estão tremendo. É frio? Quer voltar pra dentro?" "Filho-da-puta!" "Não xinga minha mãe, não, maluco. Eu te atropelo. Eu sou bicho homem. Eu tenho sangue no olho." Meu sorriso demonstrava que o álcool diluíra todo o medo que eu costumava sentir de supostos michês homofóbicos prestes a aplicar um boa-noite-cinderela. "Na real, seus pais estão viajando?" Não conseguia respondê-lo, seus beijos me sugavam o pensamento. "Vamos?" Segurou-me pela mão me arrastando em direção a porta de serviço da boate. "Você trabalha aqui?" "O dono me deve favores." Ainda tinha tempo de me arrepender, de retroagir, dizer não, vamos nos encontrar outro dia. Um Fiat punto azul metálico enterrado com rodas de liga leve esperava seu proprietário no ponto cego das câmeras de segurança. "Vou chamar um táxi. Você espera comigo ele chegar." A proposta de me levar em casa foi recusada, afinal tratava-se de um cara que acabara de conhecer horas antes, se é que se pode chamar isso de conhecer. A gente mal se conhecia e se expunha a riscos desnecessários. "Porque não posso te levar em casa?" Como explicar àlguém que não se confia o suficientemente nela para revelar seu endereço. "Me liga. Vamos nos ver amanhã de dia." (de preferência num lugar bem movimentado). "Então, vamos para minha casa. Eu quero fazer amor com você." "Eu não faço amor, faço sexo. Amor se vive, sexo se pratica." E pela enésima vez ele me chamou de putão. Encostou meu rosto contra a parede e tentou desabotoar minha calça com a mão direita, enquanto com o esquerda imobilizava meus dois braços. "Véi, me solta." "Você não disse que gostava? Eu sou brutão-bicho-homem-tenho-sangue-no-olho-não-guenta-bebe-leite." Não era hora, nem lugar, tampouco a pessoa ideal. E convencê-lo a me deixar chamar o taxi, seria que a prova da cura do meu vício. A carne é fraca, mas o espírito é forte. Na manhã seguinte, o celular tocou antes das 8h. Brutus, ao telefone. "Oi, meu bem!" "Já está me chamando de meu bem. Desse jeito eu vou me apaixonar." "Diga!" "Me encontra na porta no zoológico, às 9h, eu chego em seguida." Eu havia acabado de ser acordado e concordei. Esquecera-me de um compromisso anteriormente agendado.

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