9 de fev. de 2011

Aproveito-me enquanto o dragão dependente de soldo dorme sua sesta para contemplar o pôr-do-sol que ilumina o aparador  perdido na sala do deserto escritório vazio. Da janela, vejo uma baía que não é a da Guanabara. Desenho uma flecha no bafo de vodca deixado no vidro. Retornemos às atividades. Novos pesos nos aguardam. No supino vou me matar. Exercício diário de uma mente amanteigada que ouve sermão do pai. "Masturbar-se pode. Desde que seja de forma eficiente.Tem umas playboys antigas guardadas (escondidas, pai) no forro." Interessante que o nu feminino esclarece todas as nossas dúvidas. Realmente somos diferentes. Mas surgem novas indagações: "o que há de baixo de tanto pêlo?" São todas muito parecidas, afinal. "Paiê, porque a Janaína não tem pêlo? "Menos, moleque" O pai perfeito,(na medida que o álcool permitia, analisado à luz refletida no retrovisor da psicoterapia comportamental-cognitiva)  forte e resistente, lindo e fotogênico, bem-sucedido e mal-pago, naquilo que havia se proposto a fazer: sumir com corpos de estranhos. Mas pai sempre deixa a água entrar em ebulição e a criança ia dormir sem saber como se escrevia jiló. (Treino ortografia sempre que a cabeça dói, mas não me adianta.)  Abro o dicionário na esperança de que algo tenha mudado. Não muda.  Se não são os pais, sempre há um amigo que insistirá em levá-lo  para experimentar uma situação extrema. "Como você vai  escrever sobre as mulheres, se nunca teve uma em suas mãos?" Um argumento assim  me desarmava, mas os deuses nunca me desamparavam: "Da mesma forma  que falo de cocaína, sem nunca ter cheirado." "Obrigado, pela parte que me cabe." "Não, há porque, irmão."   Sempre há esse amigo, um ou dois anos mais velho, a desrespeitar suas convicções e lhe propor: "Desgruda desse computador, sai dessa internet, larga esse livro. Vamos encher a cara. Dá uma volta no final da asa norte. Quem sabe a gente não dá sorte e encontra umas putas limpas de tão interessantes." Encaro demoradamente  o cidadão. Ele não pode estar falando sério. "Não foi você que disse que lhe recomendaram novas experiências? Você não vai deixar de ser gay, por rachar uma vagabunda."  Na realidade, era apenas uma galhofa, uma tentativa de me atingir no nervo.  Entre um chope e outro, entre uma dose de tequila e outra, lembrávamos o quanto meu pai havia sido liberal; o quanto seu pai havia sido conservador e nos monstros que nos havíamos tornado. Nós mesmos éramos responsáveis pelos nossos comportamentos, chegamos a essa conclusão e rimos bastante quando o garçom se confundiu  nas contas.

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