17 de jul. de 2004

Dicla,
     Quantas vezes havias me explicado que em hipótese nenhuma, deveria, eu, conversar com os teus leitores. "Diário é para posteridade" que me observa ávida por um naco de carne. Que carne? Diários íntimos são obras póstumas para que os bisnetos dos nossos filhos saibam o quanto o ser humano pode ser idiota. Sou idiota sim, muito mais que imbecil. E hoje vão ser só dez chicotadas, para eu aprender que nunca mais, nunca mais mesmo, mesmo de verdade, verdade bem absoluta (não me importa qual), que jamais devo permitir que as pessoas saibam o que eu penso.
     Há de ser dissimulado, mais um pouco de cinismo (A Paty adora.). Misturar mais vaselina na veia. De agora em diante, diário, vou agradar as pessoas que se aproximam de mim, concordância perfeita. Discordar jamais. Opinião minha, só se for a mesma dos adictos que rondam nosso orquidário a procura de cogumelos. Estou vomitando nos pés desses fascistas que desejam me devorar. Comerão só a sobra da carcaça, se é que vão. Sou uma ostra, F. , iguaria fina que seu paladar não está preparado para degustar. Se tivesse, um e-mail chegaria a minha caixa-postal com um longo pedido de desculpas.
     Não tolero pressão, não aceito chantagem. Essa aliança que trago no dedo, caro, esse nome gravado dentro dela, não foi de graça. Foram anos e anos e anos que eu pressionei o polícia para que ele fizesse exatamente o que eu queria. Conta conjunta, não me significava nada, se eu não fosse apresentado aos parentes dele. "Esse é meu namorado, vô." Foi essa frase que me levou a um orgasmo, como se eu nunca houvera sentido um antes. Para agora um filho-da-puta desestruturar meu discurso?
    Ora, ora! Não sei o que é sofrimento. Nem foram seis meses numa U.T.I. neonatal. Nem fui desenganado pelos Dr. Especialistas. Nem foram as damas da Corte fazendo novena para que o moleque aqui sobrevivesse. Nunca fui amado, F. Olha o homicida sociopata que me tornei. Olha as ossadas que eu guardo dentro do açucareiro. Sofre demais pela fato de você me ignorar. Estou a me mortificar pelo seu desprezo tão esperado. Dicla, divertido, não? Como sou capaz de limpar o fel que escorre da boca dele, sem tocar-lhe.
     Meu caro amigo Diário, sei muito bem como lidar com rejeição. Aliás, sou medalista olímpico nessa modalidade. Essas peçonhentas pessoas carentes que me procuram como se eu fosse uma privada de banheiro de supermercado (obrigada a aceitar de quase tudo) não fazem idéia que eu só cruzo (não faço amor, eu cruzo) com quem eu tenho intimidade, afinidade, cumplicidade. Não é porque eu fui achado no lixo que eu me deito com qualquer um. Não é porque eu estava e estou gritando que significa que preciso do seu socorro. Foda-se visitante. Seu I.P. foi banido. E espero que você, pessoinha vulgar, nunca mais, passe diante meu portão. Eu sou de paz, mas se me provocar é double click. Você está avisado.
                                                               
                                                            A. Dantas
 
                                                                    Brasília, 17/07/04   
 
P.S. : E para não pensaram que eu sou a personificação do mal, plantarei uma muda desse cymbidium na sua lápide. Se roubarem, paciência. É mais o menos o que você tem feito a vida toda.
 
 
 
 

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