12 de jul. de 2004

     Suas palavras ainda ressoam dentro das minhas entranhas. Ela achava, para minha surpresa, que tudo que eu vinha fazendo estava correto. O Cinho deveria ser poeta. Não queria que as pessoas tivessem uma idéia distorcida de mim. Deveria eu pular do jardim suspenso, direto na poça que a lágrima havia formado? Era mais que normal que me dedicasse a enfiar a sonda na transversal do onírico ser que se avoluma diante do meu ouvido. 
     Aproveitando-me da deixa, resolvera eu espalhar pela mesa de jantar, aquela mesma que outrora eu fui jantado, trechos amassados de experimentações afins. Tudo muito claro, ofuscamente claro. Aniversários, jantares, reuniões, toda a felicidade que nos permite nossa corte sem rei. Meus diários sendo arranhando por dedos que me poluem a visão. Nunca pensei que a convivência de três dias tornar-la-ia minha leitora, minha irmã a me defender diante os boiadeiros de estrumes.
      Na cama, minha irmã, realidade, se preparava para ser minha mulher. Minha noiva e eu a esperar que a porta se fechasse. Noite de núpcias em lençóis de arara. Epa! Não seria incesto sentir as ondulações internas da poeira que se acumula sobre o aparelho de fax? Seria, mas... O Doutor com a glock apontada na minha direção... As duas sobreviventes já estavam a salvo... Sair dali vivo ou não, dependeria apenas da boa vontade de um homem que havia matado outros homens como se fossem baratas. E pensar que havíamos sido caso um do outro.
     Sem encará-lo, caminhei sobre seu couro cabeludo, tão liso de careca, raspado com gilete. Será que ele voltou a usar espuma mentolada? Ameaças eram apresentadas por telas monitoras remotamente. Eu me submetia aos caprichos dele. Finalmente o Doutor me encontrara. Viver era matéria obrigatória, maçante, que eu não havia cursado. Uma droga que deveria ser ingerida com leite desnatado. Ligado na tomada (possível solução), eu dentro da banheira amassando tomates que serviriam para compor o molho que em instantes seria derramado sofre a fogão de madrepérolas. Molhos são minha especialidade. Tomilho eu sirvo verde.
     Diante da indefinição do homem de fechados olhos castanhos, me vi livre para abraçar umas das moças que sobrevivera. Essa tulipa era para você, Cicinho. Não gosto de tons pastéis. Sai respirando da carnificina para desposar uma mulher que se enjoava ao pensar no arco-íris que nos orientaria até o final da estrada de queijo que começaríamos a digerir. Voltaria mais tarde para passar a escritura do sítio. Vendê-lo era uma questão de inteligência.
     Meu intuito, na verdade, ao retornar à lápide dos meus antepassados, era explicar ao Doutor que não gostaria mais de encontrá-lo em bares onde copos sujos servem para encobrir suas mentiras sórdidas. Pediria com carinho, nem que para isso fosse preciso deita-me sobre seu, sempre dormente, braço esquerdo, para que não mandasse mais seus ratos cinzas tocarem meu sino às três horas da manhã. O que faria a partir de agora, não era mais da sua conta. Falta-me essa coragem. Me apaixonei por todas as estampas que ele poderia vir a ser. Só envenenando esse filho-da-puta para conseguir eu dormir, sugestão a refletir.

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