27 de mai. de 2004

Sendo eu uma ópera me encaixo em Madame Butterfly. Aqueles marinheiros boiando na bacia de arroz não me descolavam da retina. No almoço controlo o tempo do microondas; no jantar, é a vez da minha maminha do coração. Ela pensa que me refiro a ela com carinho. Mal sabe a brinquedo, que a xingo virtualmente, ora sim, ora sim. Um dia ela me descobre e então vamos quebrar o pau que usam para fazer cabo de vassoura.

Culpa de quem? Meu cunhado. Meu cunhadinho fofinho de tão bombado. Não que eu esteja bolinando o cara quando ele dorme bêbado de vapor na sala de estar. Nada disso. Pratos exóticos me causam flato, o dele me causou, até hoje. E quando ele me chama para ir a padaria comprar cigarros, pergunto se ele não tem medo de virar caubói. Ele ri.(de que será?) O Audi A3 preto teria vaga garantida nos estacionamentos da UnB. Conversível me faz parecer criança dentro de uma montanha russa. Impossível dizer não sem ofender a galerinha que freqüenta o Deck Brasil.

Não querendo ser esnobe já sendo, panqueca é primo pobre de crepe. Mas meu cunhado se faz de desentendido. Faz careta de louquinho, manda beijos para o ar e passa a sessenta quilômetros por hora por quebra-molas mal pintados. Eu vôo longe. Ele adora me fazer pular. Eu tenho pena da minha irmã. Ele me trata como se fôssemos irmãos.

Conto a ele que a filha de um depú féderas (agora, situação) me pediu que traduzisse uns contos em espanhol para ela. Era isso que eu estava fazendo quando o meu amado cunhado (pela maninha, não por mim) entrou no escritório. Ela está perdida no campus. A UnB é uma cidade (30 mil habitantes, eu acho). Menina inteligente, cílios loiros, cabelos lisos escorridos, se fosse um objeto seria um lápis de cor amarelo claro. Linda. Fala inglês com consoantes abertas. Mas não entende nenhuma palavra em espanhol. Nem ela, nem ninguém da turma de Geografia Política. Há portunhol e dois espanhês. Mas castellano mesmo, solamente yo. Fiz o meu exercício e de todo mundo, enquanto ela retocava o rímel que insistia em se manter fora do lugar. Ela não precisa desses subterfúgios. Ofereci ajuda para responder suas perguntas, sem saber que o meu pai é o florista da mãe dela.

–- Eu te conheço de algum lugar –- disse-lhe eu, inocentemente.

-- São vocês que enfeitam nossos jantares com aquelas falaenopsis lindas de brancas.

Epa! Ela conhece as flores pelo nome. Ponto para ela. Vamos ser amigos. Depois de me dizer três vezes que o pai dela elaborou tal projeto de lei, me dei conta de quem se tratava. Ela não tem sangue azul, mas é como tivesse. Espirrando me lembra um botão de lírios rosa desabrochando. Quando terminar de dizer isso ao meu cunhado, ele gritou extasiado, como se tivesse definido a final do campeonato da UEFA nos acréscimos.

--Vamos ter casamento no final do ano! Finalmente serei tio. Quero ser padrinho de casamento ou do rebento que vocês vão fazer. Moreninho de olhos verde-castanhos, já pensou?

Burro-anta-asno-mula. Me dá um cigarro, quero fazer muito fumaça para não ver o quanto você alimenta tolices. Não há nada, nem ninguém que me faça esquecer que meu amor está a essa hora em algum morro do Rio de Janeiro caçando e prendendo e julgando e executando um cidadãos balísticos. A bela alimenta meus olhos, mas meu coração pára quando penso no meu tesouro.
Meu cunhado ri nervoso e dentro do Audi me pede para guardar segredo.

-- Acho que sua irmã me trai.

-- É mais fácil de eu terminar com o Naz, do que ela fazer sua cabeça pesar.

Ele ri abertamente, convencido, me pergunta se curto Smashing Pumpkins.
Faço uma cara de tanto faz, com boca, nariz e olhos contraídos. O que eu quero é terminar minha tradução. Suficientemente tosca para consolidar a amizade com o meu lírio rosa. O carro desliza no ritmo da canção. Ele ainda não entendeu que eu tenho pressa e que fumaça do vaqueiro, me irrita as narinas, os olhos e o cotovelo da minha orelha.

-- Maninho, olha o quebra mola! Nem isso o acorda. A melodia o leva para perto do avião que nos sobrevoa.

-- Para onde eles estarão indo?

-- Não faço idéia, Maninho.

Estaciona na entrada do jardim. Fora do carro, encostados na lataria ainda quente do carro, presto atenção nele a cantarolar. Melodia, ritmo, harmonia. Pergunto sobre o significado da tribal, apontando para seu bíceps. Ele não me ouviu. Estava fazendo anéis de fumaça para minha irmã da sacada pegar. Eu estava sobrando na noite que prometia ser de Lua com guaraná.

-- Aonde você vai, Maninho?

-- Fazer meu dever de casa.

-- Encosta aí, rapa!

-- O QUE VOCÊ ESTÁ COMENDO, MANINHA?

-- PANQUECA DE BANANA, QUER?

-- NO, CARIÑO, GRACIAS –- respondi à minha irmã, olhando meu cunhadinho, fortinho de tão malhado mandando beijo para ela. Que cara de balão.

-- Véi, tô entrando?

Antes de eu desencostar do carro. Ele sem parar de formar os tais círculos, me perguntou:
-- O que você foi fazer no postinho hoje à tarde?

-- Há! É minha puta agora?

-- O Naz vai te fazer de farinha de osso para adubar essa grama. Eu ajudo.

-- Engraçado, Amaro, não tenho ninguém vigiando ele por mim. Eu confio, porque ele não?

-- Relaxe, Maninho, ele é incapaz de amar outra pessoa além de você.

Fui para dentro. O perfume da dama-da-noite estava me causando dor de cabeça.

P.S. : Daniel Gaudério San, qualquer erro-falha-falta deve ser creditado ao meu editor interno. Ele é imaginário, é bem verdade. Mas nem por isso menos verdadeiro. Sem comentários

P.S.S: Eu não ia conseguir me concentrar no meu texto se não publicasse um link bacana sobre a ópera (E pensar que já fui Carmem. O que não fiz para vencer a gincana da Elsa...) Madame Butterfly. Pronto posso ir em paz.

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