26 de mai. de 2004

TRABALHO PERDIDO

Presta atenção naquele menino de cabelos finos, camisa pólo laranja, calça beje, sapato marrom combinando com o cinto de couro de búfalo. Desceu do carro. Atravessou o semáforo. Passo duro, firme. Queixo enterrado no peito. Rastilho de almíscar para saber por onde voltar. É um dado para o Ministério da Saúde. Sobe a rampa que leva a portaria da Clínica Daher. Limpa os pés com parcimônia no pano branco estendido na soleira de mármore escuro. Hesita. Olha para pulso. Procura por veias no braço. A atendente passa batom, indiferente. O hall vazio lhe lembra a sala-de-jantar. A irmã no computador conversando com o namorado pelo messenger. Odeio minha irmã e tudo que começa com "m". Deu meia-volta. Outra dia tiro sangue. Quem sabe ainda não chego a tempo na aula. Voltou ao Fiesta vermelho e se foi, arranhando machas. Estava com presa. Sem que ele percebera, segundos antes, uma folha de papel ofício caiu da sua pasta de couro de búfalo. A brisa fria a leva até o laguinho de papiros tombados. Vai virar comida de carpas. O Marcinho passara a tarde toda escrevendo aquela resenha que agora se desmancha ao tocar na água. Sem comentários.

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